Indicadores
Em tempos de recessão, economistas recorrem a gráficos de PIB, inflação e desemprego. Mas e se um simples batom pudesse dizer mais sobre o humor do consumidor do que uma planilha do Banco Central?
O Índice do Batom, criado no início dos anos 2000, ganhou fama ao sugerir que, em crises, as vendas de cosméticos baratos sobem como um pequeno luxo acessível. A ideia é divertida, às vezes até certeira, mas hoje enfrenta um dilema: será que esse termômetro curioso ainda funciona em uma economia global em transformação?
O Índice do Batom é um indicador informal que relaciona beleza e economia. Em termos simples, a teoria sugere que durante períodos de crise econômica ou recessão, as vendas de batons (e cosméticos acessíveis em geral) tendem a aumentar.
Em vez de uma bolsa de grife ou um sapato caro, entra na sacola um novo batom de tonalidade vibrante. Esse mimo de baixo custo funcionaria como uma válvula de escape emocional em tempos difíceis, oferecendo um agrado à autoestima sem comprometer tanto o bolso.
O termo Índice do Batom ganhou fama no início dos anos 2000, creditado a Leonard Lauder, então presidente da Estée Lauder. Durante a recessão de 2001, marcada pelo estouro da bolha da internet e pelos efeitos do 11 de Setembro, Lauder observou um aumento inesperado nas vendas de batons e cunhou a expressão Lipstick Index.
Ao longo das últimas décadas, o índice reapareceu em diferentes momentos de crise, ora confirmado, ora colocado em xeque. Veja como ele se comportou em cenários marcantes:
Principais momentos do Índice do Batom
Esse histórico mostra que, embora divertido e até revelador em certos períodos, o Índice do Batom nunca foi uma “ciência exata”: ora reflete padrões reais de consumo, ora se vê ultrapassado por novos hábitos e tendências.
Por trás do Índice do Batom existe uma lógica psicológica: mesmo quando o orçamento aperta, as pessoas não querem abrir mão de sentir-se bem consigo mesmas. Um batom ou outro cosmético relativamente barato pode oferecer uma dose de satisfação e confiança em momentos de incerteza econômica. É a velha ideia da compensação emocional: se não dá para viajar ou comprar um item de luxo, ao menos dá para garantir um pequeno mimo que traz a sensação de cuidado pessoal.
Por que os pequenos luxos ganham espaço nas crises?
Especialistas em consumo explicam que esse tipo de comportamento traduz o desejo de manter a autoestima em alta mesmo quando a economia está em baixa. Em outras palavras, o batom funciona como um lembrete de que, mesmo em cenários adversos, o consumidor busca maneiras acessíveis de se sentir bem, ainda que seja apenas diante do espelho.
Nas últimas décadas, o Índice do Batom foi citado recorrentemente sempre que a economia ameaçava descarrilar, quase como uma piada interna entre analistas e jornalistas de negócios. Frequentemente, dados de mercado pareciam dar algum respaldo à teoria.
Por muitos anos, a indústria da beleza foi considerada “à prova de crise”, imune às turbulências que afetavam outros setores. Se a Bolsa caía e o PIB encolhia, esperava-se que a venda de batons subisse para compensar, mantendo os balanços das empresas de cosméticos relativamente saudáveis. Mas será que essa correlação se sustenta nos dias atuais?
Evidências recentes sugerem que o Índice do Batom pode estar perdendo o fôlego. No primeiro trimestre de 2025, muitas das maiores marcas globais de cosméticos registraram queda ou estagnação nas vendas, em contraste com o que a velha “sabedoria do batom” preconizaria.
Resultados das principais marcas em 2025:
Em suma, até os batons perderam um pouco do brilho nas prateleiras diante da desaceleração econômica global.
A aparente quebra do Índice do Batom está ligada a uma mudança clara no comportamento de compra. Após o boom de consumo pós-pandemia, quando o mercado premium de cosméticos chegou a crescer quase 30% globalmente, os clientes se tornaram mais seletivos e cautelosos.
Com a inflação corroendo o poder de compra e a incerteza econômica no ar, muitos passaram a comprar apenas o que realmente importa. Em outras palavras, aquela lógica de “quando as finanças apertam, compense com um batom” já não se traduz automaticamente em vendas. Como disse o analista Oliver Chen, da TD Cowen, “não é como comida, você não precisa de cosméticos.”
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O setor de beleza também mudou. A explosão de marcas impulsionada pelas redes sociais tornou o consumidor mais criterioso: agora ele compara preços, avalia ingredientes e prefere produtos que realmente façam diferença na rotina. Muitos têm optado por enxugar a necessaire, priorizando itens favoritos e multifuncionais. No Brasil, cresceu o consumo de produtos home care em detrimento de serviços em salão, uma forma mais econômica de manter os cuidados pessoais.
Além disso, muitas empresas apostaram em linhas de luxo e preços elevados para aumentar margens. Só que, em um momento de retração, essa estratégia afastou justamente o consumidor de classe média, motor tradicional das vendas em volume. Resultado: até os “pequenos luxos” ficaram caros demais.
O Índice do Batom nunca esteve sozinho no universo dos indicadores alternativos. Economistas e curiosos ao longo das décadas já criaram teorias que vão das mais engenhosas às mais excêntricas para tentar prever crises. Nenhuma delas substitui os dados oficiais, claro, mas ajudam a lembrar que o humor do consumidor pode ser captado em lugares bem improváveis, do carrinho do supermercado à gaveta de roupas íntimas.
Veja como o Índice do Batom se compara a outros “termômetros” igualmente curiosos:
Índice do Batom | Vendas de batons em períodos de crise | Pequenos luxos substituem compras de alto valor | |||
Índice da Cueca | Vendas de roupas íntimas masculinas | Homens adiam até o básico quando o bolso aperta | |||
Índice da Cerveja | Preferência por cervejas baratas em vez de artesanais | Consumidor corta lazer premium e busca opções acessíveis | |||
Índice Big Mac | Preço do Big Mac em diferentes países | Revela poder de compra e distorções cambiais globais | |||
Stripper Index | Gorjetas e movimento em clubes de striptease | Queda no gasto supérfluo sinaliza recessão iminente | |||
Índice da Sopa Campbell | Vendas de sopas enlatadas nos EUA | Em tempos de crise, consumidores buscam refeições baratas e práticas |
Índice | O que mede | Mensagem econômica |
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Índice do Batom | Vendas de batons em períodos de crise | Pequenos luxos substituem compras de alto valor |
Índice da Cueca | Vendas de roupas íntimas masculinas | Homens adiam até o básico quando o bolso aperta |
Índice da Cerveja | Preferência por cervejas baratas em vez de artesanais | Consumidor corta lazer premium e busca opções acessíveis |
Índice Big Mac | Preço do Big Mac em diferentes países | Revela poder de compra e distorções cambiais globais |
Stripper Index | Gorjetas e movimento em clubes de striptease | Queda no gasto supérfluo sinaliza recessão iminente |
Índice da Sopa Campbell | Vendas de sopas enlatadas nos EUA | Em tempos de crise, consumidores buscam refeições baratas e práticas |
Esses índices não passam de anotações de rodapé na história econômica, mas cumprem bem o papel de traduzir, de forma criativa e até sarcástica, o que acontece quando a confiança do consumidor vai para o ralo. Afinal, quem diria que recessões poderiam ser “medidas” por batons, cuecas, cervejas ou hambúrgueres?